ACESSE

sábado, 28 de janeiro de 2012

O João da Cidade Encantada de Pedra. Tauá, CE.

João Mocó



Seu nome é João Mocó, não sei ao certo sua idade...65...70 talvez...nos seus olhos brilham juventude ao se aproximar da Cidade Encantada de Pedra. 
– É aqui! diz ele. E aponta para um matacão de pedra granítica do Pré Cambriano inferior que reluz ao sol de quase meio dia. Isto tudo na luz sol do sertão dos Inhamuns...

Na pedreira se vê figuras pintadas de vermelho ocre. O homem é o tema central de todos os painéis pictóricos e está ali representado de forma simplificada. O instrumento utilizado como pincel foi o dedo. Outros recursos como cipó e espinhos também foram utilizados em algumas minúsculas e delicadas figuras de até 2cm. Algumas figuras humanas aparecem em movimento e se apresentam com o corpo quadrado preenchido com pequenos pontos, lembrando o Estilo Serra Branca. (T. Nordeste de Pinturas, Serra da Capivara).

O vale do Riacho Carrapateiras visto do alto apresenta-se aos olhos da imaginação como a profética lenda dos Kariri: Uma imensa cidade encantada de pedra, onde em cada pedreira o testemunho milenar de grupos caçadores coletores está registrado. Os grupos humanos utilizaram como suporte para a prática pictórica as rochas cristalinas às margens do Carrapateiras ou rochas associadas a um dos seus afluentes. Como preferência, as altas pedreiras foram utilizadas de onde estrategicamente pode-se observar todo o vale e numerosos outros abrigos pintados ao redor, como uma pretérita ‘cidade de pedra’. Outros grupos pintaram em um plano mais baixo, nas pedreiras junto a tanques naturais de água, um aparente balneário pré-histórico.

Ao por do sol, concluída nossa jornada, nos despedimos de João Mocó. Lá ficou o João com sua missão de encontrar mais uma pedra pintada...haverá de encontrar certamente pois a sua natureza quis assim, que guardasse com ele o mistério das pedras pintadas do sertão dos Inhamuns. Outros Joãos do sertão cearense e por não dizer nordestino, também continuam suas jornadas ...em Nordestina talvez...ou tantos outros lugares. São patrimônios vivos a serviço da memória e história de um povo. Exemplo de um patrimônio humanizado em busca do bem comum e porque não dizer deles próprios.

Saberá o João da cidade encantada de pedra  a importância de tudo isso? Certamente bem mais do que imaginam os doutores, a ciência e as leis patrimoniais. 



                                         

Torre do Castelo.
                                         

Tanques naturais do Riacho Carrapateiras.
                                       

Figuras humanas em movimento com o corpo quadrado preenchido de pequenos pontos.                                  

Figuras humanas simplificadas.

Pedreiras do Riacho Carrapateiras.
Por do sol na Pedra da Torre do Castelo.

Texto Inspirado no Relatório final da Prospecção realizada para o:
MAPEAMENTO ARQUEOLÓGICO DOS SÍTIOS DE REGISTROS RUPESTRES DE TAUÁ, CE, PROJETO MATA BRANCA- 
REGISTROS RUPESTRES DO RIO CARRAPATEIRAS E ADJACÊNCIAS
 ROSIANE LIMAVERDE
Instituição responsável: Fundação Bernardo Feitosa
Apoio: Fundação Casa Grande
Agradecimentos: Fátima Feitosa
                              Dolores Feitosa
                              João Mocó
TAUÁ, CE/ DEZEMBRO/ 2010

sábado, 12 de março de 2011

A tradição das Louceiras do sertão


Dona Paz, 60 anos, é um louceira do Sítio Cajueiro, Itapipoca, CE, que mantém o conhecimento da arte de fazer artefatos cerâmicos (pote, louças, panelas). Aprendeu essa arte com sua avó, ainda quando morava no Sítio Mala, local onde extraia a argila. Hoje já não tem para quem repassar essa tradição. Em visita a sua residência nas proximidades da Lagoa do Inácio registramos alguns utensílios confeccionados por Dona Paz. Uma técnica interessante do escovado da cerâmica foi observada: a técnica de utilização de uma espiga de milho como instrumento para escovar a cerâmica.

Dona Raimunda Cardoso dos Santos, 58 anos, aprendeu com a falecida avó Dona Anunciada, a técnica de manufatura de utensílios de barro. Tratava-se de uma antiga tradição da localidade do Sítio São Joaquim em Barbalha, CE. Essa técnica era utilizada por muitas mulheres de seu tempo de mocidade. A matéria prima era adquirida nas proximidades, no local denominado Massapê.

Segundo D. Raimunda, hoje em dia “as pessoas não valorizam mais as louças de barro, que estão sendo trocadas por outros costumes da cidade”. Da prática de “louceira”, como era chamado essas mulheres, Dona Raimunda guarda apenas alguns utensílios para uso doméstico. Mesmo assim, quando a  equipe de arqueologia da Fundação Casa Grande no final da prospecção, retornou à sua residência para se despedir, D. Raimunda havia confeccionado um pequena panelinha de barro, para nos comprovar suas habilidades.

Encontra-se a origem dessa tradição das louceiras nos achados de utensílios cerâmicos pré históricos encontrados em todo o Estado do Ceará. No Cariri, no próprio sítio massapê, há registros de material cerâmico indígena já identificado na área. Alguns desses utensílios compõe o acervo do Memorial do Homem kariri, em Nova Olinda, Ce.

Pote de cerâmica com técnica de escovado feito por Dona Paz. 




Dona Paz no interior de sua residência.





Dona Raimunda


Dona Raimunda e Rosiane Limaverde
Cerâmica Pré-histórica- Sítio Massapê, acervo do Memorial do Homem Kariri




sexta-feira, 4 de março de 2011

Arqueologia e o prisma das crianças do Memorial do Homem Kariri

As crianças chegam ao Memorial do Homem Kariri, inicialmente só para brincar, pois na sua entrada há um grande terreiro, como nas casas do sertão. É brincar de roda, de pião, de bila (bola de gude), de amarelinha. Descobrem através de outras crianças protagonistas no espaço que aquela casa azul faz parte de uma história e de uma memória. A oralidade e musicalidade dos mitos e lendas regionais nas vozes das crianças têm aí uma importância fundamental no cativar da infância, pois os mitos povoaram desde sempre a infância dos povos. Nessa trajetória do encontro das crianças com o Memorial do Homem Kariri, o mito torna-se uma história verdadeira e extremamente preciosa por seu caráter sagrado, exemplar e significativo, pois com diz Eliade ( 2004) a principal função do mito consiste em revelar os modelos exemplares de todos os ritos e atividades humanas significativas: tanto a alimentação, quanto o casamento, quanto o trabalho, a educação, a arte ou a sabedoria.

Depois do encontro com o intangível, as crianças percebem o valor simbólico na materialidade dos objetos pré-históricos do acervo arqueológico do Memorial do Homem kariri e no contar e recontar das histórias, se tornam os pequenos condutores e transmissores não apenas das crianças iniciantes, mas da comunidade e dos visitantes que chegam anualmente ao numero de 33 mil atendimentos, proporcionando ao Município a alternativa de desenvolvimento através do Turismo Social de Base Comunitária.
Foto: Renato Steckler

Foto: Fundação Casa Grande

Foto: Renato Steckler

Foto: Fundação Casa Grande